Já passou quase um mês desde que deixaste a nossa casa. Estavas tão desanimada, com os teus olhos amêndoa tão pouco brilhantes e tão tristes. Partiste o coração de todos os que chegaram a casa e a quem não cumprimentaste.
Mas foste sempre "pelo teu próprio pé", mantiveste o focinho erguido e o olhar atento, caminhaste, lentamente, sem seres realmente capaz de o fazer. Não consigo nem imaginar a força que não fizeste para controlar a dor, para apagar do olhar a agonia que sentias. Os teus olhos, sempre tão lindos e expressivos, mostravam um enorme cansaço a cada passo que dávamos e a cada inspiração que fazias.
E foi ao chegar e ao aperceber-me do que realmente se passava que chorei. Chorei ainda sem saber o desenrolar da historia, chorei por fraqueza e por medo, apesar de o meu coração me gritar que te ias safar desta, sempre o havias feito, que ainda havia vida em ti para viver. E havia, muita mesmo, nós é que não a alcançámos a tempo. E diziam-me
"a Lua veio no caminho a pensar, seus cabrões, ainda tenho que fazer o caminho de volta", isto porque no teu tão altivo e orgulhoso caminhar nem te deste ao trabalho de meteres os cães vagabundos da nossa rua na ordem, como durante 11 anos o fizeste, às várias gerações que já aqui pasaram nesta rua. E ias voltar, porque eles não se iam ficar a rir. Mas lembro-me da tua altivez e sei que não perdeste uma batalha... ganhaste-a com somente o orgulho.
E agora choro outra vez, com um imenso nó na garganta, como quando o telefone tocou. Não pensei que este momento chegasse, como é possível que tu, Lua, a cadela mais tramada e sacaninha deste planeta pudesses abandonar-nos assim? Tinha que ser mentira e digo-te que é deveras assustador... porque se até tu tiveste que nos deixar, qualquer pessoa o fará e eu nunca quis encarar essa realidade. Ninguém, ser humano algum, deveria ter de enterrar os seus melhores amigos.
E continuo a chorar com um misto de tristeza e pena, com a saudade como leme e com a verdade de agora olhar lá para fora e não te ver deitada ao pé da porta, nem sequer lá em baixo, na relva, debaixo da laranjeira. Não te ouço ladrar, porque até nas noites de tempestade era o teu latir o som que sobressaía na noite e não os rugir dos trovões, esses eram opacados por ti, pela tua força, pela tua guarda. Até ao fim foste uma vencedora, uma campeã e mais que isso, foste tu, sempre tu, orgulhosa, refilona, amiga e protectora, sempre tu até ao fim. E vou ser injusta no que digo, mas nunca pensei que sentiria tantas saudades nem tanta tristeza como estou realmente a sentir. Eras parte da minha vida, afinal, partilhaste onze dos meus dezoito anos comigo, mais de metade da vida que já vivi. Ouviste-me chorar e viste-me brincar em criança, aturaste ataques de mau humor de adolescente, ouviste as musicas que tantas vezes tocam no rádio porque eu assim quero, escutaste confidencias e tenho a certeza que nunca as revelaste. Foste a barriga e a mãe para todos os que vieram cá para casa depois... a Mar que sempre te seguiu e respeitou, apesar das vezes que lhe deste um "chega para lá", os gatinhos que até mamaram em ti e se aqueceram a teu lado no Inverno.
Olhar lá para fora e não te ver, foi coisa que nunca ninguém imaginou. E deves sabê-lo, mas todos aqui choraram porque tu já não estás. Todos.
E agora, estejas onde estiveres, eu tenho a certeza que já esburacaste meio chão, já proibiste que os outros cães te roubassem a comida e já refilaste e meteste na ordem tudo o que mexia. E caminhas, com esse andar bamboleante, como se a vida te continuasse a sorrir. E os teus olhos brilham como quando eras cachorra e me atiravas ao chão. E corres se te tentam prender, porque sei que não vais permitir que o voltem a fazer.
Este excerto não é meu, mas quem quer o o tenha escrito escreveu-o de mim para ti:
"Tão simplesmente com o anúncio da tua partida, partiu-se o meu coração. Cadelinha, minha amiga, ainda que sem falar, soubeste amar-me como poucos o fizeram. Não morrerá o teu olhar nas minhas recordações, não morrerá a tua companhia a pesar do vazio do teu corpo. Compreendias muito de mim, ainda que pouco entendesses... mas assim se é amigo, em fim, tu de amor bem sabias e levas, para onde quer que vás, um toçozinho do meu peito e um punhado da minha alma.
"Eu sei que nunca entenderás isto, como eu nunca entenderei um latido, mas este é o meu "Até já", até já, Amiga!
"Voltaremos a vernos... em algum lugar onde saibam amar aos ateus e aos cães, porque os cães não vão para o céu, nem os ateus, como eu... y se te serve de consolo, aí nos veremos... e dormirás debaixo da minha cama e eu, conciliarei o meu sono."
E choro e continuo a chorar. Mas não o aprendi contigo.
Espero que saibas que estou orgulhosa de ti e que nunca ninguém vai roubar o teu lugar. Posso dizer e garantir que naquele dia de inverno há quase 11 anos, tomei das melhores decisões da minha vida: peguei na tua trela e comecei a correr ao teu lado, enquanto planeava uma forma de ficar contigo. Foi das melhores decisões da minha vida. E espero que também tenhas sido feliz, muito feliz.
Espero que saibas que todos sentimos demasiado a tua falta.
Mas por agora temos que nos contentar em nos vermos em sonhos. Por isso, até logo amiga minha.
Vou gostar sempre de ti, Lua.